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quinta-feira, 1 de março de 2012

ASAS DO DESEJO ( 1987 ) - DER HIMMEL ÜBER BERLIN


Os anjos de Asas do desejo não são meramente anjos da guarda colocados na terra para tomar conta dos seres humanos. Eles são testemunhas e há muito tempo estão nos observando - desde o início. Parados em uma calha de cimento de um rio em Berlim, eles lembram que levou muito tempo até que o primitivo rio encontrasse o seu leito. Eles se recordam do degelo das geleiras. São um reflexo da solidão de Deus, que tudo criou, mas não teve nenhuma testemunha do que fizera; o papel dos anjos é ver.


No filme de Wim Wenders, eles se movimentam invisivelmente pela cidade de Berlim, observando, ouvindo, comparando anotações. Geralmente ficam parados nos pontos mais altos - nos ombros da estátua de um herói, no alto de um prédio - mas de vez em quando descem para confortar a vítima de um acidente ou para colocar a mão no ombro de um jovem que está pensando em suicídio. Eles não podem mudar o rumo dos eventos ( o jovem acaba se matando ), mas talvez possam sugerir a possibilidade da esperança, a percepção de que não estamos inteiramente sós.


O filme evoca um estado de devaneio, elegia  e meditação. Não corre precipitadamente para dentro do enredo, mas tem a paciência de seus anjos. Sugere como seria ver tudo, mas sem ter qualquer participação. Nós acompanhamos dois anjos: Damiel ( Bruno Ganz ) e Cassiel ( Otto Sander ). Eles prestam atenção nos pensamentos de uma idosa vítima do Holocausto, de pais preocupados com seu filho, dos passageiros de um bonde e de gente andando pela rua; é como girar o dial de um rádio e ouvir pedaços de muitos programas. Eles fazem anotações sobre a prostituta que nutre a esperança de ganhar dinheiro suficiente para ir ao sul e sobre a acrobata de um circo que tem medo de cair do trapézio em uma noite de lua cheia.



Você é seduzido pelo encanto deste filme, produzido em 1987 por Wenders, que colaborou com o roteiro do teatrólogo alemão Peter Handke. Asas do desejo transcorre lentamente, mas você não perde a paciência, pois não há um enredo de que falar, e dessa forma você não se irrita por achar que ele deve passar logo para o próximo estágio previsível. É sobre "ser" e não sobre "fazer". E então cai no mundo da ação, quando o anjo Damiel decide que precisa se transformar num ser humano.


Ele se apaixona pela trapezista e vai, noite após noite, até o miserável e pequeno circo onde ela se apresenta, sobre o círculo central do picadeiro. Ele é tocado pelas dúvidas e pela sensibilidade dela. Fala então com Cassiel, o outro anjo, e lhe pergunta como seria sentir se pudessem sentir: ser capaz de alimentar um gato ou manchar os dedos com tinta de jornal.


Trata-se de um filme muito bonito, fotografado pelo lendário cinegrafista Henri Alekan, que fez flutuar etereamente os personagens de Cocteau em A bela e a fera ( o circo do filme tem seu nome ). Quando ele mostra o ponto de vista dos anjos, o faz com imagens numa espécie de um monocromático azul-tinta. Quando ele vê por olhos humanos, filma em cores. Sua câmera parece livre da gravidade; quer flutuando sobre a cidade ou flanando pelo corredor de um avião. Ela não se intromete; apenas observa. Quando o anjo acompanha a trapezista na sua ida a um clube de rock, ele não se deixa envolver pelos sincopados rítmos; mas se mantêm ao longe. O crítico Bryant Frazer observa que Cassiel, o outro anjo, "fica encostado na parede e fecha os olhos, e as luzes dos refletores projetam três diferentes sombras do seu corpo, alternando e mudando de posição e de cor, como se pudéssemos ver a essência de Cassiel se fragmentando diante de nossos olhos".


O ritmo lento de Asas do desejo é essencial para o clima da história. É preciso tempo para contemplar as perguntas que só as crianças fazem, como "por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui e não alí? Quando o tempo começou e onde o espaço acaba?". A popularidade deste filme exigia uma continuação ( Tão longe, tão perto, de 1989 ), assim como a inevitável refilmagem Hollywoodiana: o drama romântico Cidade dos anjos ( 1998 ).



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