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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

2001, UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO ( 1968 ) - 2001, A SPACE ODISSEY


Um artefato de evidente origem extraterrestre detona e monitora estágios cruciais na jornada do homem, de macaco até explorador das estrelas. No alvorecer da idade do homem, um misterioso monólito é o catalisador de um salto evolucionário entre os primatas, de coletores e necrófagos a caçadores armados e assassinos. Milênios mais tarde, um monólito descoberto por geólogos em serviço na Lua emite alarmantes sinais de ondas curtas na direção de Júpiter. Uma expedição para investigar ( comandada de forma impassível por Keir O`Dullea e Gary Lockwood enquanto os especialistas dormem em animação suspensa ) é sabotada pelo computador da espaçonave, HAL ( dublado por Douglas Rain ). Bowman ( Dullea ), o astronauta, faz contato com outro monólito na órbita de Júpiter, atravessa com ele um portal "cheio de estrelas" através do tempo e do espaço, para envelhecer, morrer e renascer em uma nova fase da existência. Este é o resumo de um filme que desenvolveu sua reputação por ser difícil de compreender.


Com ampla repercussão, mas ainda único, friamente distanciado , obsessivo, pretensioso e para sempre fascinante. Certamente o filme desviou-se da intenção declarada de Kubrick de fazer um " bom e típico filme de ficção científica" á partir do intrigante conto "A sentinela"  de Arthur C. Clarke ( co-autor do roteiro ). O filme desafia as convenções do gênero e difere de qualquer outra obra de ficção científica feita anteriormente. Do ponto de vista atual, 2001 é inegavelmente incrível. Efeitos especiais revolucionários, que mereceram o Oscar (projetados pelo exigente Kubrick, supervisionados pelo pioneiro  Douglas Trumbull), oferecem uma admirável mistura de imaginação e ciência. Trabalho de mímica meticuloso e a melhor maquiagem disponível na época criam, no primeiro dos quatro atos do filme, a mais perfeira representação de macacos feitas por seres humanos já vista até então. A película está repleta de imagens inesquecíveis: o inesperado e atordoante corte de um osso empunhado por um homem-macaco e jogado para o alto até se transformar em um satélite; o alinhamento do Sol e da Lua diretamente na beirada do monolito, a valsa orbital na estação espacial e o pouso de uma nave espacial.


2001 é em vários aspectos um filme mudo. Há poucos diálogos que não pudessem ser indicados por uma tela de caracteres. Muitos dos diálogos existem somente para mostrar que as pessoas conversam entre sí, sem muitos envolvimentos ( esta é a verdade a respeito da conferência na estação espacial ). Não deixa de ser uma certa ironia que os melhores sentimentos provenham de HAL, quando apela por sua "vida" e entoa "Daisy".



O filme cria seus efeitos essencialmente sobre o visual e a música. É meditativo. Não mata a nossa fome, mas quer nos inspirar e nos engrandecer.Após 43 anos de sua produção, não se tornou obsoleto em qualquer detalhe importante, e embora alguns efeitos especiais sejam mais versáteis hoje em dia, o trabalho de Trumbull continua absolutamente convincente - talvez mais convincente do que efeitos mais sofisticados em filmes posteriores, pois parece mais plausível, e mais próximo de um filme documentário do que de elementos de uma história.


Somente poucos filmes são transcendentes e atuam sobre o nosso cérebro e a nossa imaginação como a música ou as orações, ou uma imensa paisagem desprezada. A maioria dos filmes trata de personagens com um objetivo em mente, e de como atingi-lo após ultrapassar as dificuldades, quer seja em forma de comédia, quer seja em forma de drama. 2001: Uma odisséia no espaço não trata de um objetivo, mas sim de uma indagação, uma necessidade. Não engancha seus efeitos em pontos específicos da trama, nem quer que nos identifiquemos com Dave Bowman ou com qualquer outro personagem. 2201 nos diz: transformamo-nos  em seres humanos quando aprendemos a pensar. Nossos cérebros nos deu instrumentos para entender onde vivemos e quem somos. Agora chegou a hora de dar o próximo passo, de saber que não vivemos não num planeta, mas entre as estrelas .

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O VAMPIRO ( 1932 ) - VAMPYR


A grandeza do primeiro filme sonoro de Carl Theodor Dreyer se deve em parte a sua abordagem do tema do vampiro através da sexualidade e do erotismo e em parte por sua muito peculiar estética onírica. No entanto, ela também está relacionada à remodelação radical da forma narrativa por parte do diretor.


Fazer uma sinopse do filme não significa apenas traí-lo, mas também deturpá-lo. Embora nunca seja menos do que hipnotizante, ele embaralha as convenções do estabelecimento do ponto de vista e continuidade e inventa uma linguagem própria. Algumas das sensações e imagens representadas por essa linguagem são verdadeiramente fantásticas: a longa viagem de um caixão do aparente ponto de vista de um cadáver; a dança de sombras fantasmagóricas dentro de um celeiro; a expressão do desejo carnal de uma vampira por sua frágil irmã; a misteriosa morte por asfixia de um médico cruel dentro de um moinho de trigo; e a prolongada seqüência de sonho que consegue imiscuir-se de forma sinistra na própria narrativa.


Como a maior parte dos demais longas sonoros de Dreyer, este filme foi um fracasso comercial quando lançado, tornando-se mais tarde uma espécie de referência para os gêneros terror e fantasia ( assim como para os filmes de arte ), embora nunca tenha se encaixado com comodidade ou definitivamente em nenhuma dessas categorias.



Se você nunca viu um filme de Dreyer e se pergunta por que muitos críticos o consideram talvez o maior de todos os cineastas, esta arrepiante fantasia de horror é o elemento perfeito para começar a entender.


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

TRONO MANCHADO DE SANGUE ( 1957 ) - KUMONOSU JÔ


Com bastante justiça, a adaptação habilidosamente arrepiante, formal e xtremamente fiel de Akira Kurosawa de Macbeth é considerada uma das mais sensacionais versões para cinema de uma peça e Shakespeare. A trama e a psicologia são transpostas belamente para o Japão feudal, onde o valoroso guerreiro samurai general Washizu ( Toshiro Mifune )  e sua esposa demoníaca, Lady Asaji ( Isuzu Yamada ), impulsionados por uma ambição implacável e inspirados pela profecia de uma bruxa, assassinam seu comandante militar, invadem seu reino e se condenam a um fim ritual e inescapável de carnificina, paranóia, loucura e ruína.


 

Mifune - um dos protagonistas favoritos de Kurosawa em uma parceria longeva - aprofundou sua reputação como ilustre astro internacional japonês com sua atuação. A sequência da sua morte, encenada de forma brilhante, na qual ele é cravado por uma saraivada de flechas, é uma das grandes imagens icônicas do cinema mundial.


Elementos do teatro Nô, da tradicional arte da batalha japonesa, de realismo histórico e da reflexão contemporânea sobre a natureza do bem e do mal são fundidos aqui em um mundo opressivo e envolto em neblina, repleto de presságios sinistros e mágicos, com suas florestas e castelos ( o castelo foi construído em locação nas alturas do monte Fuji, com a ajuda de um batalhão do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos baseado nas proximidades ).


AKIRA ( 1988 )


Akira, a obra-prima de animação de Katsushiro Ôtomo, é o ápice da ficção científica apocalíptica japonesa. A trama é aparentemente simples: no futuro caótico de Neo-Tóquio ( assim chamada por ter substituído a Tóquio original, destruída por um cataclismo misterioso no final do século XX ), Kaneda, um adolescente membro de uma gangue de motociclistas, descobre que seu ex-melhor amigo Tetsuo transformou-se em um telepata homicida com o desejo e o poder de matar milhares de pessoas. Relutantemente, Kaneda alia-se a um grupo de terroristas antigovernamentais em sua busca pelo misterioso Akira, um telepata ainda mais poderoso que Tetsuo.


A genialidade de Ôtomo está em vincular o apocalipse com a raiva de adolescentes descontentes. Afinal de contas, para um adolescente, cada emoção é apocalíptica. Então imagine que um deles tivesse poderes telecinéticos que aumentassem exponencialmente com suas próprias emoções, e imagine que esse adolescente seja o sujeito mais furioso e ressentido que você já tenha encontrado. Pense em tudo isso e aí imagine as cenas de devastação mais avassaladores concebíveis - que você estará bem perto do resultado final de Akira.


O rush de energia provocado pela ação do filme é bem mais que a adrenalina de dirigir a 300 km por hora. Ele fornece o glacê para uma investigação séria das idéias e metáforas que preocupam a psique japonesa, especificamente o colapso e mal-estar social, bem como ambivalência permanente diante do poderio militar. Não é meramente acidental que as três grandes forças em oposição no filme sejam motociclistas delinquentes adolescentes, aspirantes a revolucionários e os militares.


Acima de tudo, a história de Akira é impulsionada pelo medo existente na sociedade japonesa em relação a seus jovens - selvagens, incontroláveis e caóticos. Tetsuo é o ápice do adolescente enfezado, um que tem poder suficiente para matar dezenas de pessoas de uma só vez, e há uma razão pela qual o governo e o exército têm verdadeiro pânico do enigmático Akira, para sempre congelado em uma infância interrompida. Isso é a adolescência causando destruição em escala épica, trazendo memórias das bombas atômicas jogadas sobre o Japão durante a guerra, bem como de nossos medos coletivos e permanentes de aniquilação. 


A fascinação da cultura pop japonesa com o apocalipse vai além de um mero flerte e explode nas mais variadas formas sempre que pode, o que não é necessariamente muito saudável, mas certamente abre espaço para excelentes histórias.  



domingo, 26 de fevereiro de 2012

DIABO A QUATRO ( 1933 ) - DUCK SOUP


Lançado em 1933, esta comédia maluca representa a coroação do grupo de comediantes Irmãos Marx, um fenômeno nova-iorquino que afiou seus talentos no vaudeville e depois conquistou a Broadway com uma série de comédias, entre elas The Cocoanuts e Animal Crackers. Mais do que originais , o timing deles foi perfeito em vários aspectos: a tecnologia sonora estava dominando os filmes assim que eles chegaram ao topo nos palcos de  Nova York. 


Os Irmãos Marx criaram um conjunto de obras no qual cada filme, individualmente, parece fazer parte do total, mas Diabo a quatro, é provavelmente o melhor. Representou uma guinada no trabalho deles no cinema; foi o último filme para a Paramount e o último em que todas as cenas se relacionavam diretamente aos irmãos. Como foi um fracasso de bilheteria, eles se transferiram para a MGM, onde o chefe de produção Irving Thalberg solicitara que seus roteiros encontrassem espaço para duplas românticas convencionais, como se o público já não suportasse tanto os Marx e estivesse querendo algo mais medíocre.


Descrever o enredo  seria um exercício de futilidade, uma vez que o cinema dos Irmãos Marx existe em momentos, em partículas, sequências e diálogos, e não em histórias compreensíveis . Em poucas palavras, O pequeno país Freedonia está em enorme crise financeira. A Sra. Teadstale aceita doar 20 milhões de dólares aos caixas se o excêntrico e maluco Rufus  T. Firefly ( Groucho ) for eleito presidente. Para piorar as coisas, o país vizinho Sylvania envia dois espiões,Chicolini ( Chico ) e Pinky ( Harpo ), para obterem informação sigilosa, enquanto uma guerra pode ser travada se os líderes dos dois países não decidirem quem casará com a Sra. Teasdale.


Em Diabo a quatro há uma sequência que é uma das grandes jóias do cinema. Harpo se faz passar por Groucho e, por razões complicadas demais para serem explicadas, se esgueira furtivamente na casa da senhota Teasdale ( Margaret Dumont ), tenta abrir um cofre e danifica um espelho. O próprio Groucho desce até o térreo para invstigar o que está acontecendo. Harpo está imóvel dentro da moldura do espelho quebrado e tenta evitar ser descoberto agindo como o reflexo de Groucho. Isto nos conduz  a uma encorajante pantomima num ritmo perfeito, quando Groucho tenta pegar o reflexo num erro, e Harpo acompanha todos os movimentos. Finalmente, numa perfeita escalada de palhaçadas, Chico cambaleia em direção à moldura, também vestido como Groucho.


Há também um momento ímpar quando Harpo mostra a Groucho uma casinha de cachorro tatuada sobre sua barriga e um cachorro de verdade aparece e late para ele. Os irmãos quebraram a estrutura clássica dos filmes de comédia, e nada mais seria igual.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

CAÇADORES DA ARCA PERDIDA ( 1981 ) - RIDERS OF THE LOST ARK



Os caçadores da arca perdida, de Steven Spielberg, vale por uma antologia dos melhores episódios de todos os seriados de sábado à tarde já produzidos. a história se passa na América do Sul, na Grécia, em alto-mar, no Egito e em uma base submarina. Envolve caminhões, tanques, motocicletas, navios, submarinos, clíperes da PanAm e uma asa voadora nazista. Também incluí serpentes, aranhas, armadilhas e explosivos. O herói é encurralado em um ninho de cobras e a heroína se vê atacada por múmias. As armas vão desde revólveres e metralhadoras até sabres e chicotes. E ainda há o sobrenatural, como quando a Arca da Aliança um fogo celestial cujos raios atravessam os corpos dos nazistas.


Caçadores funciona em vários níveis, não só graças a atuação soberba de Harrison Ford e ao talento de Spielberg, mas também porque Lawrence Kasdan ( trabalhando sobre um rascunho de George Lucas ) escreveu um roteiro que é mais do que uma simples aventura à moda antiga. Seu herói é um homem complicado e longe de ser perfeito que transita na tênue fronteira entre roubar objetos valiosos e protegê-los. Os vilões - em particular o arqueólogo rival de Indy, Belloq ( Paul Freeman ) - não são muito diferentes do herói, exceto por sua motivação ( ganância ao invés de preservação histórica ). A heroína, Marion ( Karen Allen ), também não é a típica donzela em perigo, mas uma mulher forte que ( quase sempre ) sabe se virar sozinha e não precisa de herói algum.


Embora hoje seja impossível desassociar a imagem de Ford do papel de Indiana Jones, a correção da escolha de seu nome não foi tão óbvia assim em 1980, quando o filme estava em preparo.Ford estrelara Guerra nas Estrelas e O império contra-ataca, no papel de Han Solo, um lacônico homem de ação, mas seus outros créditos eram uma grande mistura. O que ele provou na série Guerra nas Estrelas, e provaria repetidas vezes, foi sua capacidade de representar o centro forte e robusto de qualquer ação absurda. Em uma cena em que tudo acontece ao mesmo tempo, ele sabe que nada de desnecessário precisa estar acontecendo em seu rosto, em sua voz oua seu personagem. Ele é o sustentáculo, não a alavanca.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ALIEN - O OITAVO PASSAGEIRO ( 1979 ) - ALIEN


No nível mais fundamental, Alien - O oitavo passageiro é um filme sobre coisas que podem surgir das trevas e matar. Compartilha de um certo parentesco com Tubarão, com Michael Myers em Halloween e com uma variedade de cobras, tarântulas e rastejadores. Sua influência mais óbvia é O monstro do Ártico ( 1951 ), de Howard Hawks, que também trata de uma equipe em um longínquo posto avançado, cujos membros descobrem um alienígena adormecido há muito tempo, levam-no para dentro e são destruídos um a um enquanto o monstro assombra os corredores do posto. Quando se assiste a esse filme, percebe-se o embrião de Alien.


Em outros aspectos, o filme de Ridley Scott é extramente original. A abertura baseia-se na genial cena de Guerra nas Estrelas ( 1977 ) com sua enorme nave no solitário espaço sideral, e se desvia da ópera espacial de Lucas para contar uma história no gênero da tradicional ficção científica "da pesada"; a história, com sua tripulação incluindo membros rudes e de motivação mercenária, se encaixaria bem no período realista de Astounding Science Fiction, de John W. Campbell, da década de 1940. Campbell adorava histórias em que engenheiros e cientistas ( e não jóqueis espaciais e atiradores munidos de pistolas de raios ) lidavam com o espaço celeste de maneira lógica.


Um dos grandes trunfos de Alien - O oitavo passageiro é seu rítmo. O filme não se apressa. Espera. Permite silêncios ( Jerry Goldsmith sublinha as grandiosas tomadas iniciais com um palavreado metálico, distante e quase inaudível . Sugere a enormidade da descoberta da tripulação construindo-a em pequenas etapas: a interceptação de um sinal ( seria uma advertência ou um SOS ? ); a incursão à superfície extraterrestre; a preocupação de Brett e Parker, preocupados apenas em receber suas cotas; o golpe de mestre da superfície escura por onde os membros da tripulação se movimentam, com as luzes dos capacetes quase sem conseguir  iluminar a neblina intensa; o contorno impreciso da nave alienígena; a visão do piloto alienígena congelado na cadeira de comando; o choque da descoberta no interior da nave. Uma versão dessa história hoje, de deslocaria depressa para a parte em que o alienígena salta sobre os membros da tripulação. Hoje, os filmes violentos, do gênero ficção científica e outros, são cem por cento barganha e zero construção.


Sigourney Weaver, cuja carreira durante anos esteve ligada a esse estranho monstro, é a única sobrevivente da tripulação original. Os produtores deviam ter esperança de uma continuação e, ao matar todos, menos uma mulher, apostaram a sorte da série em uma liderança feminina. Alguns anos mais tarde, o Variety observou que Weaver continuava sendo a única atriz capaz de "abrir" um filme de ação e, graças a sua versatilidade, poderia representar a difícil, competente e cruel Ripley e ainda se habilitar a muitos outros tipos de papéis. 


Weaver enfrenta sua batalha final apenas de camiseta e calcinha. Ela deveria terminar o filme nua, para enfatizar a fragilidade humana perante a máquina mortífera perfeita, mas a 20th Century Fox, ansiosa por evitar uma classificação "R" ( proibido para menores de 17 anos ) nos Estados Unidos, vetou a idéia.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

AURORA ( 1927 ) - SUNRISE


Os fanáticos por curiosidades talvez notem que, embora muitos livros geralmente citem Asas como o primeiro ganhador do Oscar de Melhor Filme, a honra, na verdade, foi para dois filmes: Asas, de William Wellman, recebeu o prêmio de " Produção " e Aurora, de F. W. Murnau, o de "Produção Artística e Notável". Se a segunda categoria impressiona mais que a primeira, isso explica em parte por que Aurora, e não Asas, continua sendo um dos filmes mais reverenciados de todos os tempos. Inicialmente, William Fox trouxe Murnau para os Estados Unidos com a proposta de um grande orçamento e total liberdade criativa, e o fato de Murnau ter se aproveitado ao máximo disso nesta formidável obra-prima ratifica sua incomparável reputação de gênio do cinema.


A simplicidade do filme é enganosa. Com o subtítulo um tanto enigmático de Uma canção de dois humanos, Aurora se concentra em um casal do interior cujas vidas são destruídas por uma sedutora mulher da cidade. Contudo, Murnau retira ondas de emoção do que poderia ser melodrama corriqueiro, enriquecendo-o com uma série de inovadoras técnicas cinematográficas.


O mais fascinante aspecto de Aurora é o trabalho de câmera. As câmeras empregadas nos primeiros filmes mudos já eram leves o suficiente para serem erguidas e carregadas, mas era problemático movimentá-las porque ficavam presas ao operador que as acionava girando uma manivela. Os movimentos de câmera eram raros; a câmera fazia uma panorâmica a partir de uma posição fixa. Depois surgiram as tomadas sobre trilhos - a câmera era literalmente montada sobre trilhos, de modo a poder se movimentar acompanhando a ação. Porém, uma câmera aparentemente sem peso , que pudesse voar ou transpor barreiras físicas - esse tipo de liberdade sonhada teria de esperar até quase os últimos dias do cinema mudo. E então, quando chegou o falado e as barulhentas câmeras precisavam ser encerrads em cabines à prova de som, o sonho de liberdade tornou a se perder por muitos anos.


Aurora venceu tempo e gravidade com uma liberdade espantosa para as primeiras platéias. Quem assiste o filme hoje se admira da audácia da experimentação visual deste filme. Murnau foi um dos mais importantes expressionistas alemães: seu Nosferatu ( 1922 ) inventou o filme de vampiros e seu A última gargalhada ( 1924 ) ficou famoso por eliminar totalmente os letreiros, narrando a história apenas com imagens. Toddy Ludy, admirador de Murnau, escreveu: "Com Aurora, a câmera cinematográfica - por tanto tempo pesada e primitiva - afinal aprendeu a voar."


Lançado no ano que Peter Bogdanovich intitulou de o mais importante da história de Hollywood, quando o cinema mudo atingiu a perfeição para em seguida desaparecer, Aurora não foi um sucesso de bilheteria, porém a indústria percebeu que estava assistindo a uma obra-prima. O filme continua sendo um marco que serve de medida para todo e qualquer filme, seja ele mudo ou não. Numa era mais primitiva, é um apogeu artístico cuja sofisticação contradiz os recursos da época. Sua sombra se projeta sobre diversas grandes obras subsequentes, porém, ao mesmo tempo, mantém seu brilho próprio. 


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O BARCO - INFERNO NO MAR ( 1981 ) - DAS BOOT


O drama O barco - inferno em alto-mar, filmado em 1981 pelo diretor Wolfgang Petersen e cuja ação se passa na Segunda Guerra Mundial, foi indicado a seis prêmios Oscar, uma "missão impossível" para qualquer filme estrangeiro. Capturando com detalhes autenticamente claustrofóbicos o visual e, mais incrivelmente, os sons da guerra submarina, o filme deixa de lado questões de nacionalismo para focar sobre tensão de comandar um submarino em meio à guerra.


A ação transcorre em sua maior parte no fedorento, úmido e claustrofóbico submarino U-96. O tenente-capitão Henrich Lehmann-Willenbrock, um submarinista veterano com 30 anos de idade, está no comando. O ator principal de olhos azuis, Jürgen Prochnow, até então desconhecido fora da Alemanha, tempera a esperada liderança com mãos de ferro de um capitão da marinha com uma humanidade sutil e verossímil. Embora faça aquilo que é esperado - deixando os marinheiros inimigos se afogar em vez de recolher os prisioneiros ou gritando com seus homens para obter relatórios claros mesmo quando o seu submarino mergulha bem abaixo de seu limite, enquanto rebites estouram como tiros - não é um homem sem coração. A verdade emocional dos eventos cruéis está entre as linhas de suas entradas de diário.


Prochnow, que depois trabalhou em Hollywood em filmes como A fortaleza Infernal, O paciente inglês e outros, personifica tão bem o capitão que é impensável imaginar qur tanto Robert Redford como Paul Newman eram candidatos a este papel vital quando o filme ainda era uma produção alemã/americana. No excelente elenco de apoio, Herbert Grönemeyer, hoje um músico de rock alemão conhecido, interpreta o tenente Werner, um personagem baseado em Lothar-Gunther Bucchein, o correspondente de guerra cujas memórias, publicadas em 1973 e que se tornaram um best-seller, serviram como base para o roteiro de O barco .


A maior parte do realismo angustiante do filme se deve a três U-boats em escala construídos para a produção. Gastando boa parte do orçamento de 14 milhões de dólares do filme, foram depois usados em Caçadores da arca perdida. Uma experiência tanto sonora quanto visual, o filme foi inteiro filmado sem som. Devido à acústica, era impossível gravar ao vivo no interior dos submarinos.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

HANNAH E SUAS IRMÃS ( 1986 ) - HANNAH AND HER SISTERS


O último e mais abrangente longa-metragem de uma primorosa série de filmes de Woody Allen que começou com Sonhos eróticos de uma noite de verão, este filme, talvez inspirado em Bergman, mas com tonalidades que lembram Renoir, revela a influência dos  dois mestres sobre Allen ao traçar as mudanças em vários relacionamentos complicados durante o espaço de um ano. Centrado, como alguns de seus outros filmes, na parte artística e privilegiada de Manhattan, o filme focaliza três irmãs ( Mia Farrow, Barbara Hershey e Dianne Wiest ), os parceiros das duas primeiras ( Michael Caine e Max Von Sydow ), o ex-marido da primeira (Allen) e alguns amigos e colegas que entram em cena para complicar a ciranda romântica.


Allen está menos a frente do que de hábito e sua neurose hipocondríaca habitual consome menos tempo e empatia do que Caine, que deixa de lado sua fidelidade a Farrow por conta de uma paixão por Hershey. Na verdade, um dos prazeres do filme é a maneira como Allen lida com o escopo da narrativa, maior do que o tradicional. Os personagens são, no mínimo, mais bem acabados do que os anteriores, mesmo quando a abrangência ampliada nos dá um sentido de um mundo maior que é externo ao outro mundo, o que constitui o núcleo ficcional do filme.


Em muitos aspectos, é claro, são as mesmas velhas situações, tipos, até mesmo às piadas antigas, e apear disso há algo de Checov no filme: a delicada tristeza de vários dilemas emocionais, a consciência da dor muito real subjacente às piadas, o amargo e inevitável fato da morte pairar subentendida no ar o tempo todo, enquanto Woody, o bobo da corte ansioso, encara questões médicas. As piadas não são apenas tiradas espirituosas, mas totalmente plausíveis em termos de personagens e enredo, fazendo justiça a um dos melhores elencos que Allen já reuniu.


Ao contrário de outros filmes, sente-se em Hannah e suas irmãs um sincero tributo às boas coisas que quase fazem com que a vida valha a pena, ao invés da percepção de que a sensação foi forçada ( embora Allen houvesse, de fato, chegado a pensar em um final mais sombrio ).

Comentário pessoal : Woody Allen foi durante muitos anos ( talvez ainda seja ) o meu diretor preferido. Como eu comecei assistindo os seus filmes dos anos 70, onde ele era o núcleo do filme, e aparecia em todas as cenas, a primeira vez que assisti Hannah e suas irmãs eu ( que era jovem e tolo ), me irritei com o fato dele não aparecer em todas as cenas. Quando assisti ao filme pela segunda vez ( pouco mais velho e um tantinho menos tolo ), percebi a beleza do filme como um todo. A história envolvendo Caine e Hershey tem momentos belíssimos ( " Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas " ) . Isto posto, não sei dizer se Hannah é o melhor filme de Allen ( tem dias que acho que sim, outros acho que este posto cabe a Manhattan ) mas certamente é o seu filme mais bem construído e mais bem acabado. E, para mim, é seu último grande filme, embora Desconstruindo Harry esteja bem acima da média do que ele fez nos últimos vinte e cinco anos.


UM CÃO ANDALUZ ( 1928 ) - UM CHIEN ANDALOU


Luis Buñuel costumava dizer que, se ele tivesse mais vinte anos de vida e se lhe fosse perguntado de que forma gostaria de aproveitá-los, a sua resposta seria: "Dêem-me duas horas de atividades diárias, que as outras vinete e duas passarei tendo sonhos - desde que eu tenha a oportunidade de lembrar-me deles". Os sonhos eram o alimento de seus filmes, e desde os seus primeiros dias como surrealista em Paris até o seu triunfo no final da década de 70, a lógica dos sonhos era a forma de quebrar o realismo dos seus filmes. Esta liberdade deu-lhe características tão diferenciadas que, como aquelas de Hitchcock e Fellini, permitiam que os seus filmes fossem imediatamente identificados.


Um cão andaluz, de 1928, escrito em colaboração com o notório surrealista Salvador Dalí, foi seu primeiro filme. Nada neste filme, nem mesmo seu título, foi feito com a intenção de ter qualquer sentido. E continua sendo  o mais famoso curta-metragem jamais produzido, e qualquer um com um mínimo de interesse pelo cinema cedo ou tarde o verá, e por repetidas vezes.


Para a montagem do roteiro, Buñuel e Dalí usaram o método de atirar imagens chocantes umas contra as outras, ou um evento contra o outro. Ambos tinham que concordar antes que uma imagem fosse incluída no filme. "Nenhuma idéia ou imagem que pudesse sugerir uma explicação racional, de qualquer tipo seria aceita ", lembra Buñuel.


Muitas vezes, por causa de sua grande influência sobre os videoclipes de Rock, Um cão andaluz foi e continua sendo reciclado e reduzido a uma coleção de imagens desconexas, impactantes e incongruentes: um cavalo morto em um piano, formigas saindo da mão de alguém, e a mais famosa de todas, uma navalha cortando um globo ocular.


O DIA EM QUE A TERRA PAROU ( 1951 ) - THE DAY THE EARTH STOOD STILL


O drama de ficção científica dirigido por Robert Wise em 1951, baseado no conto " Adeus ao mestre ", de Harry Bates, sensibilizou o público da época, que estava cansado de ouvir falar em guerra nuclear e política. Começando em um estilo quase documental, ele veicula uma arrepiante mensagem antibélica através de efeitos especiais à época espetaculares e boas caracterizações. Mais do que um filme B, este foi o primeiro filme de ficção científica adulto de sucesso a transmitir uma mensagem real sobre a humanidade.


Um emissário interestelar chamado Klaatu ( Michael Rennie ) aterrissa em Washington para transmitir a mensagem de que a guerra no nosso mundo deve parar. Sua espaçonave é cercada de armas e tanques e Klaatu é acidentalmente ferido e enviado para um hospital, deixando apenas Gort, um robô de mais de dois metros, para proteger a nave. Sem rosto, mudo e possuindo uma espécie de raio laser mortal, Gort é invencível. A única maneira de impedi-lo de proteger a espaçonave é dizendo: " Gort, Klaatu barada niktoh ", uma frase decorada por praticamente todas as crianças que viram o filme.


Klaatu escapa do hospital e conhece Helen ( Patricia Neal), uma bela mulher de inteligência excepcional, e seu filho Bobby ( Billy Gray ), e é ela quem deve desarmar o mortífero Gort. A fim de provar seu poder e dar peso à sua mensagem de paz, Klaatu desenvolve um plano para interromper todos os movimentos mecânicos do mundo ( com exceção de aviões e hospitais ). 


Originalmente, o papel de Klaatu seria interpretado por Claude Reins ( o chefe de polícia Renault, de Casablanca ), mas problemas de agenda deram a oportunidade a Rennie, cujo rosto anguloso e temperamento calmo conferem uma ligeira e suave superioridade ao personagem. Neal, um símbolo de bravura feminina, resumo o que de melhor a humanidade tem para oferecer. 


Gort foi interpretado por Lock Martin, um porteiro de 2,35m do Teatro Chinês de Grauman, em Los Angeles. Sobrecarregado pela roupa pesada, Martin precisou de ajuda para segurar Neal nos braços e, em algumas cenas, os cabos que o sustentavam ficam claramente visíveis. Para que a nave parecesse inteiriça, a fenda da porta foi vedada e pintada de prateado. A vedação então se rompia, fazendo com que a porta surgisse de repente, sem aviso visual nenhum. Jamais superado, O dia em que a terra parou é um clássico em vários aspectos, não só por conta de sua mensagem antibélica e efeitos especiais inteligentes, como também pelo uso marcante que Bernard Hermann faz do teremim, o mais antigo instrumento musical eletrônico.